Uma vida a moldar o barro negro...
As mãos dos 75 anos de António Matos Coimbra moldam, inconscientemente, o barro que já não pegam.
“A falta de visão não me deixa trabalhar. Da vista esquerda ainda vejo mais ou menos, mas a direita já não vê praticamente nada, nem a operação me trouxe melhorias” - solta António Coimbra.
O brilho do olhar triste denuncia a saudade do barro negro que começou a moldar aos 10 anos e abandonou há dois.
“Ui! Nem consigo imaginar a quantidade de peças que fiz” - solta. “Muita louça utilitária, mas também de decoração.
António Coimbra, natural de Molelos, foi o rosto de uma homenagem que a junta organizou aos oleiros da freguesia que é conhecida pela louça de barro negro.Actualmente, há sete oleiros a trabalharem em Molelos, a sua maioria (seis) numa faixa etária entre os 30 e os 40 anos.
Na altura em que António Matos tinha pouco mais de 30 anos, havia entre 60 a 70 oleiros. “O alumínio e o plástico vieram substituir o barro”, explica. “Mas não há comidinha tão boa como a que é assada no barro negro” - esclarece o oleiro.
António Matos Coimbra recorda os tempos em que, com a esposa e um grupo outros oleiros, rumavam a pé para as feiras para vender a louça. “Íamos a todas as feiras que conseguíamos, desde aqui em Tondela, Viseu, São Pedro do Sul ou Oliveira de Frades, sempre a pé, às vezes, com cerca de 30 quilos de louça na cabeça” - atira a esposa, Lucinda Marques Janardo.Filho de oleiro, mais cinco irmãos, só António e mais dois é que seguiram a arte do pai, um ainda está no activo, o Graciano, é o oleiro mais velho em Molelos.
Dos quatro filhos - três homens e uma mulher, 14 netos e cinco bisnetos, só dois netos é que seguiram os passos de António Coimbra. “Tal como eu, no fim das aulas, só pensavam em moldar o barro. Já são os dois profissionais”
Jornal do Centro ed. 230, 11 de Agosto de 2006