Porquê Inovar e Preservar a olaria de Molelos?


Publica-se um artigo impar da autoria de Hélder Abraço, publicado no Boletim nº 4 de Junho de 2006 da Liga de Amigos da Terra de Besteiros.
Este artigo espelha a realidade da Olaria de Molelos em comparação com outros centros de barro negro existentes em Portugal evidenciando a modernização e o desenvolvimento desta arte ao longo dos tempos, assim como, a importância da sua preservação.
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Barro negro de Bisalhães
"Quando nos pediram para intervir neste Fórum (1) com algumas breves informações e principais linhas de força do sucesso das actuais olarias de barro negro de Molelos, referindo a inovação nas formas e tipologias, na alteração radical de processos de fabrico, na “agressividade” na venda e comercialização, não resisti à tentação de integrar e estender o tema desta comunicação, também a outros centros produtores de barro negro localizados no norte de Portugal: Fazamões, Freguesia de Paus, Concelho de Resende; Bisalhães, Freguesia de Mondrões, Concelho de Vila Real; Vilar de Nantes, lugar e freguesia do mesmo nome, Concelho de Chaves.


Peça decorativa barro negro de Molelos
O critério: o número de artesãos ainda em actividade e a sua localização geográfica em relação a Molelos. Será pela comparação entre todos, que as diferenças se acentuarão, dando a Molelos a primazia do modelo de êxito, que a todos nos deixa orgulhosos e esperançados na continuidade da arte da olaria negra no Concelho.
Molelos, desde épocas remotas, tem sido um importante centro produtor de artefactos de barro negro, tal como nos é revelado na Necrópole de Paranho, em Molelos, com vasos do período da Idade do Bronze. As argilas de excelente plasticidade e as crescentes necessidades do mercado, levaram ao desenvolvimento de uma importante actividade artesanal, tornando a freguesia de Molelos uma notável escola para muitas gerações.
Actualmente, uma nova geração de oleiros, criativos e determinados, implantou-se no mercado, procurando novas abordagens, com sofisticação de padrões estéticos, estilização de tipologias, com novos usos e conquista de territórios, com uma produção muito diversificada e em série. As instalações de trabalho surgem-nos racionalizadas, com métodos mecânicos, para melhor rendimento.


Hoje, a olaria de Molelos marca presença pela inovação e perfeição de acabamento. A veia criativa e artística é uma aposta no futuro. A inovação, a promoção do produto, a sua qualidade, são sinónimos de dinâmica, de planeamento da produção e de visão estratégica de mercado.


Falamos de um Gilberto Silva - Olaria Tradição Mais , que marca hoje presença pela inovação e perfeição de acabamento. O seu filho adolescente já marca presença também na roda.
Um Carlos Lima - Barraca dos Oleiros -, que não sendo natural da freguesia, aprende a moldar o barro em escola de artes e vai viver para Molelos. O verdadeiro vanguardista das novas formas, das novas tendências e das arrojadas pesquisas com outras pastas. E com ele Xana Monteiro.

Fernanda Marques - Olaria Tradicional de Molelos , a primeira oleira da freguesia, que ainda vende na feira semanal de Tondela.
Os irmãos Luís Carlos e José Manuel Lourosa - Olaria Artantiga , representantes de uma oficina com forte produtividade, com instalações racionalizadas, com métodos mecânicos, para melhor rendimento.

Não esquecendo António Manuel Matos Marques - Olaria Moderna , António Manuel Coimbra e António Duarte - Olaria Feitiço da Púcara , todos eles desenvolvendo uma veia criativa e artística impar e sem igual.
Pelo vanguardismo das formas, das novas tendências e das arrojadas pesquisas para além do negro, os barros de Molelos conquistaram um lugar privilegiado na promoção turística e cultural do Concelho de Tondela.
Ontem e hoje.
Hoje, significa uma aposta no futuro, na inovação, na promoção de um produto, como se de um troféu se tratasse. Hoje o oleiro já pouco se desloca à feira. Havendo ainda quem o faça, a clientela é hoje sobretudo turística e desloca-se ao centro produtor. O cliente é igualmente o comerciante que revende, que lhe compra a produção na olaria. Ou na loja. O telefone é usado para as encomendas. Aqui o cartão de apresentação. Ali o cartaz. Acolá o folheto. É o marketing. Não nos podemos esquecer ainda que parte da população de Molelos, é ainda imigrante em França, na Alemanha, fortemente no Luxemburgo. No regresso das férias de verão, fazem-se acompanhar com ofertas aos amigos. De barro negro, naturalmente. A produção no Verão tem sempre tendência a esgotar-se.
Hoje os jovens artesãos vivem exclusivamente da produção que fabricam. Daí a “agressividade” comercial, tentando criar novos mercados. Longe vão os tempos da simbiose entre o artesanato, a criação de gado e a agricultura familiar dos seus ascendentes, a célebre e tão portuguesa horta do quintal. Hoje o que há é maior dinamismo, melhor visão estratégica, maior rigor no planeamento da produção, maior racionalidade.
A ruptura faz-se também ao nível das instalações de trabalho. Nas estruturas familiares antigas a olaria é muitas das vezes a própria casa, a cozinha, com a tradicional lareira que aquece as mínguas refeições de pobreza daqueles núcleos familiares com tantas carências. Nenhum jovem oleiro, hoje em dia, partilha a sua habitação com o local de trabalho. Este é autónomo, amplo, limpo e compartimentado. É o progresso. É o futuro.
Porquê inovar, porquê preservar?
Pelo que expusemos anteriormente, a inovação foi a chave do sucesso para a comunidade de oleiros de Molelos. Importa reter no entanto o porquê da necessidade de preservar. Assim como o Que preservar e Como.
Preservar para testemunhar a memória de um tempo que não volta mais. Testemunho de um passado, engolido inexoravelmente pela modernidade individual e colectiva. Pelo avanço de um urbanismo de êxito, por parte das populações, como contraponto a um passado de miséria. Perante a consciência pública da necessidade de proteger o seu património cultural, torna-se imperioso pensar o que poderá restar ainda de significativo ou de representativo nas olarias de barro negro de Molelos para preservar. Seguramente estamos certo que sem património e me¬mória material (instalações e instrumentos de trabalho), sem património e memória imaterial (saber fazer, vivências, quotidianos), dificilmente se compreenderá como foi esta arte no passado e o que dela ainda hoje resulta. Sobretudo como elo de ligação para a compreensão do sucesso das novas gerações.


A visita (2) de quinze dias que fizemos em Setembro de 2005 aos oleiros das localidades de Fazamões (3), Bisalhães e Vilar de Nantes, no início citadas, foram para nós uma prova dolorosa. Desde a última visita no ano de 2000, mais 5 oleiros tinham falecido. Esse precioso património vivo vai-nos escapando. Assim como nos escapa igualmente os seus instrumentos de trabalho, únicos para as regiões do Ocidente da Europa. Estes últimos três centros produtores, outrora dinâmicos, têm os dias contados. E com eles os seus vestígios materiais e a sua memória.
Será necessário proteger, com a máxima urgência, certos locais de artesanato de barro negro raros, pois esses lugares desaparecem com grande rapidez. É uma política cultural de absoluta prioridade.


O poder local tem-se envolvido com determinação no domínio da promoção do barro negro de Molelos. Iniciativas de índole diversa, no sentido de reforçar as referências científicas, culturais, técnicas e turísticas de tão importante e rico património concelhio, têm vindo a ser implementadas. Destacamos pela sua projecção:
O Projecto Museológico Terra de Besteiros, que pretenderá dar o destaque e o devido relevo ao rico património dos barros negros de Molelos.
As Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-Medieval, métodos e resultados para o seu estudo, organizadas pela Câmara Municipal de Tondela, e que tentam impulsionar desde 1992, Molelos como centro de estudos e de pesquisaetnográfico, etnoarqueológico e arqueológico.
A Rota das olarias de barro negro de Molelos, projecto do Pelouro da Cultura em fase de desenvolvimento, que ao pretender promover as modernas iniciativas dos jovens oleiros, não deixará de realçar os vestígios de uma velha arte, mostrando os antgos espaços das olarias de Molelos.


Em resumo, temos todo o dever e a obrigação de Preservar. Associações Culturais concelhias e seus dirigentes. Liga dos Amigos do futuro Museu Municipal. Associações de Defesa do Património. Câmara Municipal. Cidadãos individuais. Todos sem excepção, deverão contribuir para que esses lugares ou vestígios ainda existentes sejam preservados e divulgados."
Notas:
(1) Comunicação apresentada ao Fórum – Espaços Rurais, Desenvolvimento e Globalização, realizado na Vila do Caramulo, a 18 de Novembro de 2005. Organização do Club Biored.
(2) Visita no âmbito do projecto “Saber queimar, saber gerir o combustível entre os oleiros e mineiros medievais meridionais, séculos XI-XIV (ver Bo¬letim da Liga dos Amigos nº 3, pág.3)
(3 ) Um estudo de Alberto Correia sobre a olaria em Fazamões, afirma já em 1980, que “Joaquim Ribeiro de Alvelos é o último oleiro de Fazamões”.
NOTA: As Fotos apresentadas foram obtidas através do Google ou do arquivo do Portal de Molelos Online ( i.e. fotos enviadas para